segunda-feira, dezembro 18, 2006

O povo com a câmera na mão

Novembro quase no fim e antes que o mês termine tive a oportunidade de ter em mãos a publicação da Revista “A Rede”. A matéria de capa, “Os pontos de Cultura filmam o Brasil”, traz informações extremamente promissoras para o destino audiovisual do país.
Jovens de periferias pobres de grandes metrópoles, povos indígenas, populações de pequenas cidades, detentoras de vasto saber popular, com a câmera na mão, apreendendo a fazer, a documentar sua história, valorizar suas raízes.
A conjugação do novo e do velho acontece nas aldeias onde atua a Ong Vídeo nas Aldeias. Jovens que se apropriaram das novas tecnologias e volta-se para o idoso, buscando o seu saber. Os jovens realizadores registram os rituais de sua aldeia, contribuindo de maneira inestimável para a história e a construção da identidade de seu povo.
Esse e outros exemplos, trazidos à tona na matéria, deixam qualquer amante de cinema feliz da vida, uma vez que se percebe a preocupação das oficinas oferecidas por esses pontos de cultura, que além de propiciarem o contato com as ferramentas de produção, também buscam o aprofundamento da capacitação de profissionais, com isso podemos vislumbrar um horizonte extremamente rico para o meio audiovisual brasileiro.
Além desses pontos de cultura contribuírem enormemente para a produção de novos realizadores, para o registro histórico do nosso povo, eles contribuem para a formação de novas platéias, proporcionando mais olhares dentro da mesma linguagem.
No entanto, o que mais me agrada é saber que o recorte, olhar feito, por exemplo, da periferia de uma grande metrópole, será dado por quem está lá convivendo e vendo a realidade do lugar e não por quem vê de fora.
Arlindo Machado, no segundo capitulo do livro “Pré-cinemas e Pós-cinemas”, nos trás um pouco da história do cinema, arte que em sua pré-história era apresentando em salas de varias modalidades, como os circos, carnavais, as feiras de atrações e aberrações, como parte de uma cultura popular paralela ao mundo da cultura oficial. Citando Bakhtin (1970) - um realismo grotesco – ligado a um sistema de imagens em que o princípio material e corporal comanda o espetáculo e em que abundam os gestos e as expressões grosseiras, as profanações, as heresias e as paródias. Esse sistema permitia um olhar divergente sobre o mundo, um olhar que era enquadrado através de outra ótica, sem o cabresto da civilização, de modo a tornar sensível a relatividade dos valores e a circunstancialidade dos poderes e saberes.
Veio o capitalismo e o protestantismo trazendo na bagagem um sistema cultural que não tolerava esse tipo de “arte grotesca”, pois essa arte era ofensiva às sustentabilidades éticas e estéticas da arte dita “respeitável”, “erudita”.
O cinema foi isolado nos guetos, nos cordões industriais, bem próximos aos operários, onde a diversão suspeita misturava-se com a marginalidade e a prostituição. No entanto, foi nesses lugares iníquos que nasceu o cinematografo obtendo força nos seus primeiros 10 ou 20 anos. Entretanto, o cinema continuou sendo apresentado em entreatos ou na porta dos circos como forma de chamar a atenção para o espetáculo. Esses primeiros filmes eram muitas vezes um mero registro dos próprios números de “vaudeville”, incidentes, quadros mágicos e os teasrs (cenas eróticas). Esse sistema de representação estava distante das formas artísticas eruditas, ficava muito mais próximo das representações populares da idade média ou de épocas posteriores imediatas.
Entre 1895, data da primeira exibição pública, até meados da década de 1910, o cinema é exibido sob essas condições e vai paulatinamente “evoluindo”. Os nickelodeons são o primeiro passo para essa gradativa evolução. Esses nickelodeons(o nome é dado pelo fato de cobrarem 1 nickel para entrar no ambiente), exibiam filmes de pequena duração, até que o cinema começa a trabalhar com a identificação junto ao público e começa a descobrir a linguagem narrativa, uma maneira de contar histórias. Os nickelodeons, apresentavam também filmes de caráter erótico o que propiciava ainda mais o repudio das elites dirigentes, consumidoras da arte erudita.
Com a descoberta da narração, o cinema passou a ser visto com um empreendimento que poderia ser lucrativo, mas para isso era preciso mudar o público, atrair as famílias, o cinema que outrora era mal visto, pelo conteúdo apresentado e principalmente pelo público que se interessava por esse conteúdo, terá caminhos industriais, e tomará ares de sétima arte.
Existe o deslumbramento com o espetáculo, com mágica no cinema, mas passado os primeiros anos da segunda metade da década de 1910, começa a preocupação com a verossimilhança, com o realismo. O cinema pôde transmitir uma ideologia, um estilo de vida, além de dar lucros.
Após a percepção do poder que o cinema tem sobre a massa, ele torna-se a principal arma de disseminação ideológica burguesa. Essa classe dirigente que detém os meios para feitura do cinema empobrecem enormemente esse canal de propagação da arte. Como lucro é o objetivo central, somos, grosso modo, bombardeados há alguns anos pelo olhar dos que venceram a guerra.
E hoje o cinema através das novas tecnologias digitais se vê diante de um futuro muito mais atraente. Os pontos de cultura, que possibilitam o acesso aos mecanismos de feitura, aos modos de produção da arte, nos beneficiarão com uma gama maior de olhares, de registros e de histórias reais. Fico com a esperança de que poderemos ver a realidade através dos olhos do povo.

Sônia Procópio


Foto: Godard

1 Comments:

Blogger Gabriella Villaça said...

uma balada de amor
Nos velhos vinis
na loja de usados,
bandas estrangeiras
letra B
um acorde pela rua ecoa no som
a velha imagem de jovens pelas ruas,
tudo permanece, o anteontem com chocolate e cerveja
No depois de amanha com chá e os velhos amigos
É nos mesmos lugares que me encontro depois e antes do tempo que permea os contatos
Os sumiços
A vida sem mistificação.

2:18 PM  

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